Juristas divergem sobre decreto que regulamenta responsabilidade de servidores

Publicado na terça-feira (11/6), o Decreto 9.830/2019, que regulamenta o artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), provoca divergências entre especialistas em Direito Administrativo. Alguns dizem que a norma aumenta a segurança jurídica dos gestores públicos. Outros argumentam que o decreto blinda excessivamente servidores desonestos.

O artigo 20 da Lindb exige que, nas esferas administrativa (órgãos da administração direta), de controle (tribunais de contas e outros) e judicial, não se decida com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Seria preciso demonstrar a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive diante das possíveis alternativas.

O artigo 12 do decreto estabelece que o agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro. “Erro grosseiro”, segundo o decreto, é aquele “manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

De acordo com a norma, o mero nexo causal entre a conduta e o resultado danoso não gera responsabilização do agente público, salvo se ficar provado dolo ou erro grosseiro dele. E o valor do dano ao erário não pode ser elemento para caracterizar o dolo ou erro grosseiro. Na avaliação da conduta do servidor, a complexidade da matéria e suas atribuições deverão ser levadas em conta.

As regras do decreto conferem estabilidade e segurança jurídica na aplicação da lei pelos administradores públicos, avalia o advogado Igor Tamasauskas. Segundo ele, a norma protege a escolha lícita, privilegiando a eficiência na administração.

“Ninguém pode ser punido por interpretar uma norma legal. Somente o dolo e o erro grosseiro ensejam responsabilização. Isso deveria ter sido sempre assim, mas infelizmente tivemos que escrever isso em uma norma para preservar a gestão que busque o interesse público em sua essência”, diz Tamasauskas.

O Decreto 9.830/2019 perdeu a oportunidade de definir melhor o conceito de “erro grosseiro”, analisa Alexandre Aragão, professor de Direito Administrativo da Uerj.

Aragão, entretanto, elogia a possibilidade de funcionários e órgãos de controle públicos firmarem termo de ajustamento de gestão para corrigir falhas, aprimorar procedimentos e manter as atividades em execução.

“O termo de ajustamento de gestão como uma solução consensual de resolução de conflitos entre a administração pública e o servidor que tenha praticado alguma suposta irregularidade é muito bem-vindo como instrumento consensual de melhoria da gestão. Mas, naturalmente, tem que ser aplicado com a devida publicidade e parcimônia para se evitar desvios na sua aplicação”, comenta.

Desonestos blindados
Já o professor de Direito Administrativo da PUC de São Paulo Adilson Abreu Dallari critica a excessiva restrição da responsabilidade dos agentes estatais.

“A parte realmente substancial do decreto é a que cuida da responsabilização do agente público. Seu evidente propósito é o de blindar os agentes públicos desonestos ou desidiosos. Ao dizer que a responsabilização depende de ‘situação fática ou circunstância’, praticamente impede o reconhecimento da ocorrência de erro grosseiro”, afirma Dallari, que é colunista da ConJur.

Na visão dele, o impacto do Decreto 9.830/2019 para o Estado brasileiro é “péssimo”. “O decreto vai na contramão da evolução da administração pública e do aprimoramento do serviço público, no sentido de prestigiar a autonomia do agente, mas com a correspondente responsabilidade.”

Fonte: ConJur